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Entidades do direito à moradia relatam na CCDH violação sistemática de direitos no RS

A Comissão de Cidadania e Direitos Humanos da Assembleia promoveu audiência pública hoje (27) para apurar a situação de despejos e mediação de conflitos fundiários em Porto Alegre e no RS. São mais de 20 mil famílias nessa situação (em torno de 80 mil pessoas vivendo de forma precária e vulnerável no estado), de acordo com a apuração nacional feita pela Campanha Zero Despejo, que produzirá um relatório em 30 dias para ações urgentes de provimento dos serviços básicos essenciais além da moradia, como saúde, educação e saneamento.

Em dois meses deve expirar decisão do Supremo Tribunal Federal que suspendeu, em junho do ano passado, ordens ou medidas de desocupação de áreas habitadas antes de março de 2020, despejos, desocupações, remoções forçadas ou reintegrações de posse na vigência do estado de calamidade pública no país em virtude da epidemia de Covid-19. Por essa razão, as entidades que atuam junto às comunidades vulneráveis entendem que é preciso ações urgentes para prorrogar a decisão do STF e assegurar os direitos básicos dessas pessoas.

A audiência pública foi solicitada pela deputada Sofia Cavedon e o deputado Jeferson Fernandes, ambos do PT, e também a deputada Luciana Genro (PSOL) participou da atividade, uma vez que preside a Frente Parlamentar em Defesa da Moradia Digna desde 2019. Um dos encaminhamentos foi contato das entidades que lutam pela moradia com o relator do PL 35/2022, que institui a Política Estadual de Prevenção às Remoções e os Despejos no Estado do Rio Grande do Sul, deputado Luiz Henrique Viana (PSDB).

Com os encaminhamentos sugeridos pela Campanha Despejo Zero, em especial a intervenção de órgãos públicos para assegurar os direitos básicos dessas comunidades, a deputada Sofia Cavedon estará reunida na sexta-feira, dia 29, com o Núcleo de Mediação de Conflitos do Tribunal de Justiça, representando o presidente da Assembleia, quando buscará ampliar o diálogo e ações efetivas nesse sentido. Ela também levará uma lista ao Judiciário com as áreas públicas que aguardam regularização fundiária.

Campanha Despejo Zero
Do Centro de Direitos Econômicos e Sociais, CDES Direitos Humanos, o advogado Cristiano Muller descreveu a metodologia utilizada para apurar a realidade da habitação popular no país, seguindo critérios das Nações Unidas em atividades especiais, conforme adotou o Fórum Nacional da Reforma Urbana e a Campanha Despejo Zero. As visitas aos locais de ocupações urbanas em todo o país e em Porto Alegre e Região Metropolitana, conforme explicou, têm o propósito de identificar as violações de direitos básicos dessas populações e cobrar providências das autoridades públicas. As missões, como são chamadas as vistorias, documentarão em relatórios a situação de vulnerabilidade social e servirão também para denunciar violações de direitos humanos.

Pelo Conselho Nacional de Direitos Humanos, Getúlio Vargas relatou a vistoria feita em Porto Alegre e Região Metropolitana desde sábado, dia 23, dentro da Campanha Despejo Zero. Explicou que a urgência em apurar a situação de vulnerabilidade das comunidades em ocupações urbanas se deve ao fato de que até 30 de junho está em vigência decisão do Supremo Tribunal Federal que suspendeu ordens ou medidas de desocupação de áreas habitadas antes de março de 2020, despejos, desocupações, remoções forçadas ou reintegrações de posse de natureza coletiva, quando entrou em vigência o estado de calamidade pública no país em virtude da epidemia de Covid-19. A medida foi em resposta à ação movida pelo PSOL.

“Percebemos violações de todos os lados, nas áreas da União, do estado e dos municípios”, e não só na questão da moradia, mas nos direitos à saúde, educação, e saneamento, destacou Vargas. Uma das evidências de maior violação de direitos é a exclusão dessas comunidades dos programas sociais por se encontrarem em situação irregular, “uma violação ocasiona outra”, denunciou, “estas pessoas estão invisibilizadas e excluídas”. Antecipou que a ONU está disponível para receber os relatórios produzidos nesta vistoria. E observou que é preciso prorrogar o período de impedimento dos despejos e remoções urbanas, e simultaneamente promover políticas públicas para a moradia.

Invisibilidade aos conflitos fundiários
Pela Campanha Despejo Zero, a pernambucana Raquel Ludimir detalhou a articulação nacional que surgiu no início da pandemia e reúne mais de 170 organizações concentradas na pauta da moradia. Mais de meio milhão de pessoas estão ameaçadas de despejo no país, e no Rio Grande do Sul 20 mil famílias, em torno de 80 mil pessoas, estão em situação de conflito fundiário. Para apurar essa situação, que não dispõe de dados oficiais, a campanha busca identificar os locais e suas demandas, sejam elas federal, estadual ou municipal. Conforme os balanços trimestrais, foi vertiginoso o aumento de conflitos e despejos durante a pandemia.

Depois de visitar o Amazonas e Ceará, o grupo veio apurar a situação do Rio Grande do Sul. Em dois dias, foram visitados 13 territórios em Campo Bom, Sapucaia do Sul, São Leopoldo e Porto Alegre, onde foi vistoriada a divisa com Viamão, na Lomba do Sabão, o 4º Distrito, e Lami, nas terras indígenas, e também no Quilombo Lemos, na ocupação Dois de Junho, no Centro Histórico, e na Zona Norte da cidade, na ocupação Povo Sem Medo e Império.

Raquel Ludimir observou que “o desmonte das políticas habitacionais resulta em violações de direitos repetidos”, provocando nas famílias o temor do despejo e a situação de medo e desamparo. Fruto também das vistorias, destacou que em locais menos vulneráveis há a paralisação dos espaços de mediação, “os processos não têm solução, imaginem outros que têm menos espaço para a mediação com o poder público”, ponderou a ativista social. Uma das metas é quebrar a invisibilidade dada aos conflitos fundiários que, mostram os números, se tornaram uma “bomba relógio”. Depois de visitar o Norte e Nordeste do Brasil, Raquel ficou surpresa com a precariedade das instalações da ocupação Povo Sem Medo, em Porto Alegre, “foi frustrante chegar naquele espaço e cruzar com aquela situação”.

A Defensora Pública Caroline da Rosa Araújo antecipou o compromisso da entidade com o direito à moradia, uma questão constitucional, e também referiu que esse direito negado repercute na inefetividade de outros direitos, como consequência, “são violações sistemáticas de direitos fundamentais combinadas com a omissão estatal”, afirmou.

Ação parlamentar
Pelo levantamento da Frente Parlamentar em Defesa da Moradia Digna, Luciana Genro referiu a precariedade das ocupações tanto em Porto Alegre quanto no interior, especialmente a falta de energia elétrica e água. Disse que a desativação das políticas públicas habitacionais pelo governo Bolsonaro acelerou as ocupações, e defendeu política voltada para a população de baixa renda, que não tem condições de se endividar.

O deputado Jeferson Fernandes observou a disparidade entre os conglomerados habitacionais de alto luxo e o aumento da população que vive em situação precária e miserabilidade. E sugeriu que a presidência da Assembleia encaminhe parte das cestas básicas arrecadas sejam destinadas às ocupações habitacionais e também às comunidades indígenas. Sobre o PL 35/2022, observou que é matéria adversa à maioria da Assembleia, mas entende que é preciso avançar com essa questão, assim como os imóveis do estado estão sendo doados para empresas cuja contrapartida é socialmente pífia.

Da audiência também participou Maricleia Soares, do Fórum Nacional da Reforma Urbana; Ceniriane Vargas da Silva, do Movimento Nacional de Luta pela Moradia; Julio Alt, do Conselho estadual dos Direitos Humanos; Eduardo Osório, do Movimento dos Trabalhadores Sem teto; Maria Aparecida Castilhos Luge, do Movimento Atingidos por Barragens; a Frente Nacional de Luta; o Movimento dos Sem Terra; Cristiano Schmucher, pelo Movimento Nacional de Luta pela Moradia; e outras representações.

Da ocupação José Joaquim, em Sapucaia do Sul, moradores relataram a agonia que estão vivendo nos últimos dias, sem o fornecimento de água pelo caminhão pipa e com casos de dengue entre a comunidade. Pediram ajuda, uma vez que a prefeitura não está disponibilizando os serviços essenciais.

Fonte: Agência de Notícias da ALRS