Assista a íntegra da Audiência no link: https://bit.ly/3Fegw8J
Audiência pública da Comissão de Cidadania e Direitos Humanos apurou, nesta quarta-feira (4), a grave situação de esvaziamento dos serviços no Pronto Atendimento Cruzeiro do Sul, o maior complexo de saúde pública da Zona Sul de Porto Alegre. Os servidores alegam restrições na nomeação de novos servidores, gestão desconectada dos princípios do Sistema Único de Saúde, apontam riscos com a terceirização dos serviços e em especial a ameaça de suspensão dos atendimentos em saúde mental, justamente quando pesquisa do Ministério da Saúde aponta aumento de 9% em 2019 para 13,5% no início deste ano a incidência de depressão, em especial entre os jovens e com maior recorrência na região Sul do país. O assunto foi debatido por solicitação da deputada Sofia Cavedon (PT), que coordenoou o encontro.
Para debater o assunto, a audiência reuniu representações dos servidores do Pronto Atendimento Cruzeiro do Sul, PACS, dirigentes sindicais dos municipários e da área médica, de psicologia, assistência social e enfermeiros, assim como gestores da Secretaria Municipal da Saúde. O PACS responde pelo atendimento em saúde pública e saúde mental de praticamente todo o extremo Sul de Porto Alegre.
Sofia Cavedon indicou alguns problemas do PACS, como a falta de medicamentos, vagas, e o atendimento em situações não aconselháveis de adolescentes e crianças, em macas ou cadeiras, onde aguardam mais de uma noite por leitos. Disse que a situação se arrasta desde o ano passado e há indicativos de que as providências do governo rumam para a terceirização do Plantão de Emergência em Saúde Mental. Antecipou que amanhã (5) o Conselho Municipal de Saúde estará tratando dessa questão. Cavedon adiantou que o material colhido na audiência servirá para instruir o Ministério Público e para solicitar ao governo municipal as diretrizes em curso relacionadas ao PACS. Também a deputada Luciana Genro (PSOL) destacou o grave problema que a população da Zona Sul enfrenta, em especial os mais carentes, com os problemas apontados na prestação dos serviços de saúde.
Invisibilidade da saúde mental
A psicóloga Maria Alzira Pimenta Grassi, que responde pelo Plantão de Emergência em Saúde Mental, PESM, do PACS, e vinculada à Comissão de Saúde Mental do Conselho Municipal de Saúde e do Conselho Distrital de Saúde Glória, Cruzeiro do Sul e Cristal, relatou que a situação é além das restrições de recursos humanos, “é mais complexo”, referindo-se ao aumento do índice de depressão em Porto Alegre, apurado em 17,5%, um dos mais altos das capitais do país, “demonstrando falência da política de saúde mental da cidade”. Alertou que a terceirização não vai resolver o problema, uma vez que o público que busca atendimento está em sofrimento agudo não só pela pandemia, mas pelo desemprego, perda de benefícios e direitos, pela miséria, pela situação de rua, explicando que, em caso de terceirizar este serviço, perdem-se os vínculos com os pacientes, há falta de transparência e rotatividade. Ela é a única psicóloga do PESM e foi colocada à disposição do Hospital de Pronto Socorro ou do Hospital Presidente Vargas, com a alegação de que não se trata de serviço essencial. O local já abrigou quatro psicólogos e as equipes que capacitavam as Unidades Básicas de Saúde foram praticamente todas terceirizadas. Inconformada, ela recusa o deslocamento e aponta erros da atual gestão, que desconhece o trabalho realizado pela equipe de saúde mental.
Vinculada aos coletivos que atuam nos organismos diretos do Sistema Único de Saúde, Maria Alzira observou que é equivocado acreditar que emergência em saúde é medicar, conter ou internar. E destacou a recente Conferência Municipal e Estadual de Saúde Mental, que traçou metas para reconstruir a área, uma vez que há um plano nacional empenhado em desmontar a saúde pública.
Jerusa Bitencourt, que é enfermeira no PACS, referiu a importância da equipe de saúde mental e apontou a falta de recursos humanos – enfermeiros, técnicos, serviço social, psicólogos – como um dos problemas, além da estrutura e da terceirização que já acontece dentro do serviço de saúde. Em setembro do ano passado, a Câmara de Vereadores aprovou contratação emergencial, com a chamada de concursados, mas até agora não se concretizou. Jerusa apontou problemas na pediatria, situação que a cidade está vivenciando nas últimas semanas, e destacou a estrutura do PACS com traumatologia, odontologia 24 horas, e outros serviços que estão sendo sucateados. Ela observou, ainda, que há uma deformação dos diálogos feitos com a comunidade no Orçamento Participativo, uma vez que nada é encaminhado.
O diretor-geral do Sindicato dos Municipários de Porto Alegre, João Ezequiel, referiu o alargamento dos plantões, de 12 horas para 36 horas, tema que foi encaminhado ao Ministério Público, assim como a superlotação, as salas pequenas e sem ventilação, a falta de material e de roupa de cama e outros equipamentos para uso dos pacientes. Tudo isso provoca esgotamento dos servidores da saúde, afirmou. Reivindicou a colocação dos enfermeiros aprovados nos concursos públicos, um dos mais graves problemas do PACS, segundo Ezequiel.
Na mesma linha Waldir José Bohn Gas, do Conselho Distrital de Saúde Glória Cruzeiro Cristal (CDS GCC), alertou para a fragilidade da população diante das terceirizações, assim como os constantes ataques ao serviço público abrem caminho para a privatização, e o SUS é o alvo principal. Ele informou que R$ 12 milhões do Ministério da Saúde direcionados para o PACS foram perdidos por falta de interesse municipal.
O diretor adjunto do Departamento de Atenção Hospitalar, Domiciliar e de Urgência da Secretaria Municipal da Saúde, Francisco Isaia, garantiu que a orientação da gestão é em conformidade com o arcabouço legal que dá sustentação ao SUS. Negou qualquer sucateamento do PACS e disse que “os agravos na área da saúde mental, epidemiologicamente, estão sendo priorizados”. E destacou os espaços de diálogo abertos com a comunidade tanto da Cruzeiro quanto da Glória e adjacências, que representam o território assistencial do PACS, para qualificar os serviços lá prestados tanto pelos “colaboradores públicos” quanto por alguns já terceirizados e que atuam vinculados a outras instituições, como equipes de psiquiatria e de trabalho assistencial terceirizados. Isso evidencia que “o processo de ocupação do trabalho naquela unidade já vem há muito tempo sendo tratado de maneira híbrida e nem por isso diminuiu o trabalho e vigilância da gestão para a qualidade do serviço”, assegurou. Descartou diferenças entre esses profissionais que, inclusive, juntos garantiram uma resposta positiva para a cidade durante a pandemia. Isaias salientou que o PACS é uma decisão estratégica e todos os espaços de discussão estão sendo cumpridos, como aconteceu ontem (3) na reunião do Conselho Municipal de Saúde a respeito da saúde mental. Um dos esforços é a aproximação com a PUC e a reabertura da emergência SUS do Hospital São Lucas, fechado há dois anos, com atendimento em saúde mental e também em outras áreas, com atendimento 100% SUS. Por último, informou que a fila de espera para consultas e exames especializados na área da saúde em Porto Alegre é de 70 mil pessoas. Em abril, foram promovidas quatro mil consultas extras de oftalmologia e um total de 300 cirurgias nessa área.
O coordenador Municipal de Urgências, Daniel Lenz, reconhece as deficiências em recursos humanos e mostrou melhorias promovidas no PACS, antecipando que profissionais novos estão sendo contratados, quatro enfermeiros e cinco médicos, e na enfermagem, com horas extras no SAMU para atendimento melhor, assim como clínicos com horas a mais. Sobre o PESM, disse que os Conselheiros do Orçamento Participativo foram os primeiros (usuários) a tomar conhecimento da mudança em relação ao Hospital da PUC. Sobre a falta de pediatra, quando foi identificado o problema imediatamente foram mobilizados esses especialistas da SMS.
A coordenadora da área de Recursos Humanos da SMS, Lívia Disconsi Wolitz de Almeida, confirmou a autorização da nomeação de aprovados no concurso para enfermeiro. Disse que a Operação Inverno, que é um incremento sazonal que ocorre desde 2019, teve a contratação temporária publicada em 10 de março, mas não avançou para evitar apontamento do Tribunal de Contas. Adiantou que vão insistir na nomeação de efetivos. E está em fase de contratação empresa para realizar concurso para especialidades médicas.
Vigilância do Ministério Público
A promotora Marcia Rosana Cabral, do MP, do Núcleo de Saúde da promotoria de Direitos Humanos de Porto Alegre, a respeito do PACS, informou que existe ação em andamento de execução sobre Termo de Ajustamento de Conduta firmado com o município de Porto Alegre para reforma do prédio da Vila dos Comerciários, que nunca foi cumprido e está sendo executado pelo MP. Sobre os recursos humanos e infraestrutura na sede atual, antes da reforma, existe inquérito civil na sua promotoria, que em março discutiu a reposição dos médicos clínicos, situação resolvida com a ampliação de 2.300 horas para 3.000 horas médicas, os plantões com cinco médicos de dia, quatro pela noite e um reforço.
O déficit da enfermagem, que tem concurso válido e solicitação em 22 de abril deste ano de autorização para contratação de 44 enfermeiros, parte dos quais iriam para o PACS, é assunto que está com o prefeito Sebastião Melo, informou a promotora. Para confirmar essa contratação, o MP expediu ofício ao Procurador Geral do Município. Ela reiterou que no processo consta a contratação de 44 profissionais de enfermagem. Sobre os técnicos em enfermagem, lei municipal de 10 de março trata da contratação temporária de 33 profissionais desse porte para o PACS e outros setores da saúde da capital, assunto que se encontra na secretaria de Administração e Planejamento, mas as contratações ainda não teriam ocorrido, tema que também está sendo questionado ao Procurador Geral do Município. A respeito das denúncias de órgãos de classe, informou que foi solicitada vistoria para vigilância sanitária no PACS pelo MP, feita em maio e foram apontadas inconformidades e foi feita notificação para o município para solução das irregularidades, o que está sendo acompanhado no inquérito civil. As questões de saúde mental estão na primeira promotoria de Direitos Humanos, com as questões de atendimento pediátrico, que são objeto de outros expedientes que tramitam na promotoria de Infância e Juventude.
Pelo Simers, a médica Bruna Fávero contou sua experiência nas UBS e nas comunidades de Belém Velho, onde o PACS é referência para auxiliar nas situações mais críticas. Ela colocou a entidade à disposição para defender o funcionamento integral do PACS.
Também o vereador Jonas Reis, do PT de Porto Alegre, apontou diversos problemas relacionados ao PACS e outros serviços da cidade, assim como a psicóloga Mainá Patrícia, do Conselho Regional de Psicologia, que informou sobre demandas encaminhadas ao Ministério Público e questionou a retirada da psicóloga do PACS. Seguiram-se diversas manifestações de representações das comunidades locais e representações legais, como vereadoras da Capital, dos Conselhos Regionais de Serviço Social e de Enfermagem.
Fonte: Agência de Notícias da ALRS