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Comunidades e entidades rejeitam municipalização do ensino em audiência pública

Por proposição da deputada Sofia Cavedon, a Comissão de Educação, Cultura, Desporto, Ciência e Tecnologia realizou nesta terça-feira (31/10), uma audiência pública híbrida para tratar da municipalização das escolas da Rede Estadual de Ensino do RS. A Secretaria Estadual de Educação não mandou representante.

Sofia deu início a reunião denunciando o atropelo no processo de municipalização em muitas cidades do interior e que chegaram até a Comissão de Educação. Segundo a deputada, as comunidades escolares têm sido surpreendidas com a informação de que a escola será transferida para o município. Sofia afirmou que é preciso seguir o regramento estabelecido pela legislação, que é o regramento estabelecido pelo Conselho Estadual de Educação, através da normativa 867/2007, que orienta o processo de transferência de manutenção da escola e determina a escuta das comunidades escolares. A deputada afirmou que nenhuma prefeitura é obrigada a aceitar uma escola estadual e que a legislação é clara, sobre a responsabilidade compartilhada, no caso do ensino fundamental, entre estados e municípios, a educação infantil é exclusiva dos municípios e ensino médio responsabilidade do Estado e o ensino superior da União. “Manifestem-se nas cidades, discutam na cidade, não só com o prefeito, com a Câmara Municipal, porque a cidade tem que decidir coletivamente se vai municipalizar. A municipalização não pode ser uma mera ‘prefeitualização’ de matrículas, se ela for acontecer, tem que ser resultado de um planejamento de cidade.”

A parlamentar que preside a Comissão de Educação informou que realizou reunião com o Conselho Estadual de Educação e com o Ministério Público do Estado solicitando alteração da Normativa 867/2007, uma vez que as comunidades escolares não estão sendo escutadas no processo e são surpreendidas pela medida. Sofia também afirmou que há uma onda de municipalizações no governo de Eduardo Leite, inspiradas nas políticas estaduais do Estado do Ceará, onde os diretores não são mais escolhidos pela comunidade escolar e podem ser afastados a qualquer momento pelos prefeitos.

Edson Garcia, 2° vice-presidente do CPERS, destacou o que considera um exagerado número de municipalizações em todas as regiões do Estado. Garcia afirmou ainda que há um conjunto de variáveis, incluindo áreas de risco, territórios dominados pelo crime organizado e distâncias que não são considerados e acabam por afastar as crianças das escola. O dirigente denunciou o processo de desmonte da educação pública estadual por parte do Governo Leite, com pouca transparência das informações.

Ana Jandira Fernandes, mãe de um estudante da Escola Manoel da Silva Pacheco, instituição com mais de 60 anos em Camaquã, afirmou que a comunidade escolar foi surpreendida pelo processo de municipalização sem qualquer consulta ou diálogo. Segundo ela são mais de 500 estudantes e a escola funciona bem, com envolvimento da comunidade escolar. Jandira disse que houve reunião com a Coordenação Regional de Educação e ficou claro a posição contrária a municipalização.

A supervisora da Escola São Bernardino de Sena e mãe de estudante, Tassiana da Silveira afirmou que a instituição de Camaquã, onde trabalha ficou visada para a municipalização, depois que passou a ser reduzida em sua oferta de ensino. Segundo Tassiana, a direção da escola, que é bem avaliada no Ideb foi informada pela própria coordenadora regional de Educação, que a mantenedora seria transferida para o município, como fato consolidado. Ela lembrou que Camaquã já fechou escolas municipais por falta de recursos e afirmou que quem ofereceu a escola foi o Governo do Estado.

A diretora do 39° Núcleo do CPERS, a professora Neiva Lazarotto afirmou que em Porto Alegre foi anunciada a municipalização de oito escolas estaduais, a pedido da Prefeitura da capital, para poder ofertar vagas para a educação infantil. Neiva cobrou a falta de diálogo e as necessidades das comunidades serem ouvidas e denunciou o Marco Pela Educação, como um disfarce para acabar com a eleição de diretores na rede pública estadual.

Para Laura Vey, diretora da Escola Garibaldi, do bairro Belém Velho em Porto Alegre, o regramento da municipalização não está sendo cumprido. A diretora relatou que foi procurada pela representante da Secretaria de Educação e imediatamente mobilizou a comunidade, que decidiu pela permanência da escola sob gestão estadual.

Para a diretora da Associação dos Trabalhadores/as em Educação do Município de Porto Alegre (Atempa), Isabel Medeiros há uma inversão no processo democrático e as comunidades escolares, incluindo os professores, funcionários e diretores não são considerados, que faltam vagas na cidade e há crianças que precisam se deslocar de ônibus para poder estudar. Isabel questionou qual comunidade de Porto Alegre pediu a municipalização das escolas em seu território?

Aline Kerber do Conselho Municipal de Educação de Porto Alegre informou que segundo regramento do próprio município, para qualquer troca de mantenedor entre os entes federados, é preciso autorização do Conselho, partir da escuta da própria comunidade escolar envolvida. Kerber lembrou que o Conselho de Porto Alegre ficou mais de nove meses sem direção e somente há pouco foi retomado e hoje já não possui sequer sede, além da redução de conselheiros.

Em seu pronunciamento durante a audiência, o deputado Zé Nunes afirmou que o processo até o momento, apesar da base legal, é unilateral e autoritária, sem ouvir a comunidade. O parlamentar foi enfático em cobrar o processo democrático nas escolas. “Como é que vai se fazer uma política uniforme, desrespeitando a comunidade escolar, porque o governador quer, porque o prefeito quer? Quer por que? Em que condições? E o que pensam os pais, os alunos, os professores e professoras? Isso não conta? Se é o principal elemento que deve contar! Esse processo não é bom para ninguém!”

Em nome da Promotoria Regional do Ministério Público de Santa Maria, a promotora Rosangela da Rosa chamou atenção para os o fato de que apenas 46,6% dos municípios gaúchos atingiram a meta para educação infantil; 53% dos municípios não garantem creche, pré-escola, apenas 45,1% oferecem o serviço. Segundo a promotora, como é que os municípios que não cumpriram suas metas legais na Educação, vão assumir escolas estaduais. Ela também chamou atenção para o limite prudencial da responsabilidade fiscal dos municípios.

A deputada Luciana Genro (PSOL) afirmou que o Governo Leite tem uma orientação política clara que é restringir a participação da comunidade nas decisões e na vida escolar. ” É um projeto para quebrar com a unidade e organização dos professores no Estado. A gente sabe que o CPERS é um sindicato gigante, por sua história, pelo número de filiados tem uma força significativa. Então municipalizar também significa desarticular essa luta. Tudo o que nós temos de bom na escola pública é fruto da luta dos professores, funcionários e comunidade escolar e o CPERS é parte disso. Para deixar o governo com as mãos livres para entregar as escolas para as empresas e transformar a escola pública num grande negócio.”

O vereador de Porto Alegre, Jonas Reis citou a meta 6 do Plano Estadual de Educação que afirma o percentual de 25% do atendimento da educação básica na rede pública estadual e cujo cumprimento pelo Governo Leite chega a somente 3,6% em 2022. Para o vereador é uma estratégia para esvaziar a escola e evitar a formação de cidadãos críticos. Jonas afirmou que 29 mil crianças estão sem escola em Porto Alegre.

Bete Charão, diretora do Sindicato dos Municipários de Porto Alegre (Simpa) destacou problemas estruturais nas escolas públicas na capital e afirmou que o processo de municipalização é um monólogo autoritário que não ouvi as comunidades escolares. Charão ressaltou ainda que a Secretaria Municipal de Educação de Porto Alegre (Smed) está sendo investigada por desvio de recursos e que não tem condições de resolver sequer seu próprios problemas e quer trazer a rede estadual.

A coordenadora pedagógica da Smed Porto Alegre, Elisângela Trentin confirmou que o Governo do Estado ofertou oito escolas para avaliação da prefeitura de Porto Alegre. Ela informou que o município possui 98 escolas próprias e há três escolas estaduais consideradas pela prefeitura.

Cristiane Della Méa Corrales, promotora de Justiça que coordena o Centro de Apoio Operacional da Educação, Infância e Juventude, afirmou que o súbito volume de pedidos de municipalização tem preocupado, diante do não atingimento das metas mínimas estabelecidas no Plano Estadual de Educação. Correles também destacou a preocupação com os recursos municipais necessários para a manutenção das estruturas.

Nos encaminhamentos, a deputada Sofia Cavedon afirmou que a municipalização precisa estar inscrita no planejamento da educação do Estado e dos municípios, na perspectiva do Plano Estadual de Educação e através do plano de gestão democrática. O regime de colaboração tem que ser para otimizar espaços e cumprir o Plano, parecer prévio do CRED a partir da modificação do texto da normativa. Ao invés de municipalização, a proposta de turno integral, regime de colaboração acolhendo a educação infantil, abrir ensino de jovens e adultos e ensino fundamental onde se faça necessário.

A maioria das participações criticaram a ausência de representantes da Secretaria Estadual da Educação.