A crise que se instalou na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, desde a nomeação do reitor Carlos André Bulhões no ano passado, foi objeto de audiência pública da Comissão de Educação, Cultura, Ciência e Tecnologia da Assembleia Legislativa, na manhã desta sexta-feira (19). O encontro, que ocorreu de forma virtual, foi requisitado pelas deputadas Sofia Cavedon (PT) e Luciana Genro (PSOL) e pelo deputado Fernando Marroni (PT), a pedido do Coletivo Professores pela Democracia.
Durante mais de duas horas, professores, estudantes e funcionários da UFRGS teceram duras críticas à reforma administrativa comandada pela reitoria e à postura adotada por Bulhões, a que se referem como “o interventor”. Segundo os representantes da comunidade universitária, o reitor age de forma autoritária, despreza o diálogo, ignora o conselho e o estatuto universitários, desrespeita o princípio da autonomia universitária e permite a ingerência de partidos políticos, especialmente do PSL, na instituição.
A deputada Sofia Cavedon, que coordenou o encontro, sugeriu como encaminhamento a elaboração de um documento para ser levado ao conhecimento do Ministério Público Federal e da bancada federal gaúcha. Além disso, propôs a realização de uma missão a Brasília para fazer pressão política por uma solução para o impasse.
Eleito com apenas três dos mais de 60 votos do conselho e último colocado na lista tríplice encaminhada ao presidente Jair Bolsonaro, Bulhões enfrentou resistência mesmo antes de assumir, na esteira dos embates protagonizados pelo governo federal com universidades e institutos federais de todo o país. “Foi escolhido pelo presidente para cumprir um papel, que é a condução da política de desmonte das universidades”, resumiu a deputada Luciana Genro, que criticou também os cortes orçamentários que atingiram essas instituições.
A realização da reforma administrativa sem consulta ao Conselho Universitário, reconhecido como “órgão máximo de função normativa, deliberativa e de planejamento da universidade”, azedou de vez as relações entre a reitoria e a comunidade escolar. Segundo o professor Darci Campani, presidente da Associação dos Docentes da UFRGS (Adurfrgs), qualquer mudança na administração da universidade ou em seu estatuto depende da aprovação de dois terços dos integrantes do Consur, o que não aconteceu, gerando insegurança e revolta. “Hoje, há um regime de bagunça administrativa na reitoria. Mas estamos tocando independentemente dessa confusão”, declarou
Ele denunciou ainda que o reitor acabou com a exigência de passaporte vacinal, determinado pelo Comitê Covid, e afirmou que o discurso de que a instituição agora “opera no azul” não se sustenta, pois o equilíbrio só foi possível com a redução dos gastos de custeio por causa da interrupção das aulas presenciais na pandemia.
Já o coordenador-geral do Sindicato dos Técnicos-administrativos da UFRGS, Gabriel de Freitas Focking, considera que a intenção da reitoria é desmontar o modelo baseado no ensino, pesquisa e extensão e implantar uma “universidade prestadora de serviços”.
O impasse entre reitoria e comunidade acadêmica redundou no pedido de destituição do reitor apresentado ao Ministério da Educação em agosto deste ano, após aprovação no conselho por 59 votos a 7, com cinco abstenções.
Modelo viciado
O método de eleição também foi bastante criticado na audiência. Representantes da comunidade acadêmica consideram a lista tríplice um resquício da ditadura militar e uma forma permitir a ingerência governamental nas instituições universitárias, ferindo sua autonomia. “O que assistimos aqui é o retrato do que acontece de Sul a Norte do país. Temos que acabar com a lista tríplice e assegurar que as eleições sejam construídas do começo ao fim pela comunidade universitária”, defendeu o professor Jairo Bolter.
Em um vídeo gravado especialmente para a audiência, o ex-ministro da Educação e atual presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Renato Ribeiro, se somou aos pleitos dos professores gaúchos. “A UFRGS é uma das pérolas do sistema universitário brasileiro. Se a comunidade não confia no reitor, isso deve ser revisto. Não basta ter a caneta, tem que ter autoridade e isso envolve ter o respeito (da comunidade)”, declarou.
Estudantes não pouparam críticas à reitoria. Ana Paula Santos, represente do Diretório Central dos Estudantes, criticou a falta de democracia, a redução dos investimentos e o desmonte da instituição. E Everaldo de Oliveira, do Movimeno Correnteza, denunciou o desligamento de 200 cotistas, alguns próximos da formatura, sem que alegações e documentos tenham sido analisados. Além disso, revelou que a atual reitoria estaria “colocando para dentro da universidade gente que não prestou vestibular”.
Fonte: Agência de Notícias da ALRS