A Medida Provisória 1161, acompanhada do Decreto 1.161, encaminhados à Câmara Federal pelo presidente Jair Bolsonaro, promove alterações no Programa de Aprendizagem Profissional, como a redução de vagas e a fragilização da fiscalização, repercutindo na oportunidade que os jovens de 14 a 24 anos têm para estudar e aprender ofício, simultaneamente. O assunto foi debatido hoje (6) em audiência pública da Comissão de Cidadania e Direitos Humanos, que vai liderar a mobilização com vereadores, prefeitos, o governador e o setor empresarial pela revogação da nefasta iniciativa federal.
Por solicitação da deputada Sofia Cavedon (PT), o assunto reuniu a Defensoria Pública, o Ministério Público do Trabalho, escolas vinculadas ao Jovem Aprendiz, o Programa de Aprendizagem do RS, a Educação Profissional do SENAC, SUEPRO, a Associação Pão dos Pobres e estudantes. De Brasília, o deputado Elvino Bohn Gas (PT) informou sobre o andamento da matéria na Câmara Federal. No encaminhamento, foi deliberada ação estadual focada nos gestores públicos, como governador Ranolfo Vieira Júnior, prefeitos e vereadores, também na entidade dos prefeitos, a Famurs, assim como na articulação com a bancada federal gaúcha para a revogação das medidas, conforme destacou a deputada. Uma das preocupações é a fragilização do controle e a fiscalização, o relaxamento de multas e a redução de vagas. Documento da Defensoria Pública servirá de modelo para orientar a documentação a ser encaminhada aos gestores públicos para a pressão contra essa iniciativa presidencial que retira a oportunidade de profissionalização dos jovens, em especial dos mais vulneráveis socialmente, dos que estão recolhidos em instituições ou cumprindo pena socioeducativa, alvos principais do programa.
Pela Defensoria Pública, a defensora Aline Caspani Collet antecipou a posição contrária da instituição à Medida Provisória 1.116 de 4 de maio de 2022, que visa alterar a Política Pública da Lei da Aprendizagem Profissional, “cujo objetivo é a formação profissional para real inclusão de jovens e adolescentes no mercado de trabalho”, explicou. Disse que se trata de afronta à Constituição Federal no que diz respeito aos jovens e adolescentes, uma vez que se trata de supressão de direitos fundamentais. A repercussão será na redução de adolescentes jovens e com deficiência alcançados pelo programa, sistema de cota que regula o padrão social desigual do país, explicou, ao defender a lei como espaço de oportunidade para a inclusão desse grupo humano que vive em vulnerabilidade social.
“Essa MP beneficia o grupo que não cumpre ou não deseja cumprir com a obrigatoriedade das cotas”, observou Collet, referindo-se a anistia da multa por descumprimento das cotas e a proibição de Auditoria Fiscal do Trabalho lavrar auto de infração, “retiram o caráter obrigatório que impõe às empresas a participação nesse programa de cunho social”. A defensora entende, pelo contrário, que é preciso maior rigor na fiscalização para garantir a efetividade do programa de aprendizagem profissional, “não cabe flexibilização em favor da parte que não valoriza essa política pública necessária para equilibrar a nefasta desigualdade social”, uma vez que na maioria dos casos os jovens deixam os estudos para ajudar no sustento de suas famílias. Com isso, 40% dos dons e talentos infantis não estão sendo aproveitados e desenvolvidos no país em razão da má nutrição, morte prematura, acesso limitado à educação e baixa qualidade de aprendizagem, revelou.
Vulnerabilidade social e precarização
“A MP e o decreto 1161 promovem uma “reforma trabalhista na política da cota de aprendizagem profissional”, resumiu a defensora pública, uma vez que alteram 86% dos artigos da lei da aprendizagem e 64% do decreto regulamentador da aprendizagem. Isso, quando o índice de desemprego dos adolescentes de 14 a 17 anos incompletos é de 36%, três vezes maior que o índice de desemprego dos adultos. Também aumenta o risco de vida dos jovens, pois permite contratação de aprendiz entre 14 e 18 anos apenas com parecer técnico e sem necessidade do fiscal do trabalho para avaliação, “muito mais jovens inexperientes podem ser colocados em situação de risco para suas vidas”.
Outra corrupção do programa original promovida pela MP e pelo decreto é a ampliação da idade para 29 anos, o que vai gerar preferência das empresas pelo jovem com faculdade concluída e não do adolescente com 14 anos, precarizará o trabalho do jovem já formado, que ao sair da faculdade será contratado como aprendiz, de forma precária. Essa manobra foi tentada pela MP 905, que instituía o contrato de trabalho Verde e Amarelo, mas o Congresso rejeitou.
No interior, a vereador Rose Frigeri, de Caxias do Sul, tenta aprovar moção de repúdio ao propósito de precarização do programa Jovem Aprendiz, assim como a professora Sônia Sberci, coordenadora da Escola Família Agrícola da Serra, manifesta preocupação com o alcance do programa entre os jovens rurais. A aluna Giovana Cardoso Lucco, que mora em São Francisco de Paula, leu manifesto sobre o assunto e disse que “fragilizam o modelo em vigor de aprendizagem, porque suaviza a exigência do cumprimento de contratações para o público ávido por conhecimento, que encontra obstáculos no primeiro emprego”. Ela apontou o fechamento de 400 mil vagas de aprendizes no país, justificando a mobilização para revogar as medidas.
A procuradora do Ministério Público do Trabalho, Patrícia de Mello Sanfelici Fleischmann, destacou o combate histórico da instituição para que as empresas cumpram as cotas de aprendizagem previstas em lei e atua para que aprendizagem seja implementada, “se trata de público protegido pela Constituição Federal”, explicou. Classificou a MP de “nociva para essa política de inserção dos adolescentes e jovens no mundo do trabalho” e destacou iniciativas no RS nesta área, voltadas para públicos vulneráveis, os adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa e os que se encontram em acolhimento institucional, “a aprendizagem profissional serve a essas situações como modo de levar essas adolescentes vulneráveis para o mundo do trabalho de modo adequado e protegido”. Sugeriu esforços redobrados na luta contra as medidas legislativas propostas, assim como sensibilizar os empresários sobre o efeito social do programa.
Outra manifestação foi do coordenador do Programa de Aprendizagem do RS, João da Luz, ressaltou as perdas para a juventude com a fragilização do programa e observou que em 2012, foi reconhecido o Aprendiz na Política de Assistência Social, passando a ser atendido como prioritário. Disse que o Fórum Gaúcho de Aprendizagem Profissional tem 42 entidades formadoras, além do Serviço Nacional de Aprendizagem, escolas técnicas e entidades sem fins lucrativos. “De 61.787 aprendizes no RS, 44.931 estão contratados. Temos mais de 15 mil vagas para inserir estes jovens na aprendizagem profissional”, mas que serão excluídos caso a MP seja sancionada.
Pela Associação Pão dos Pobres, Simone Quadros também mostrou o potencial da MP para reduzir vagas aos jovens aprendizes, “em torno de 150 mil vagas deixarão de existir se a medida for aprovada”, reclamando que não houve consulta às empresas que estão envolvidas com o programa. A luta é pela ampliação das vagas e não pela redução, afirmou, mostrando que o Pão dos Pobres abre 250 vagas por semestre e as inscrições superam sete mil jovens na disputa. Disse que na pandemia, apurou que 63% dos jovens eram os únicos detentores de renda formal da família.
O coordenador da Escola Família Agrícola Vale do Sol, Regis Solano, defendeu o programa pela relevância junto aos jovens vinculados à agricultura.
A coordenadora de aprendizagem do SENAC, Maria Augusta Kampf, revelou que são 16.868 aprendizes ativos, sendo que 3.563 ingressaram este ano. Destacou o trabalho que o SENAC realiza em comunidades vulneráveis, em parceria com empresas, como a Comunidade Bom Jesus, com programa na área de tecnologia, para jovens quilombolas, turnos em parceria com a FASC para egressos do trabalho infantil, projetos Jovem Cidadão em Caxias do Sul, com jovens que cumprem medida socioeducativa em Canoas e Caxias do Sul e no Instituto Psiquiátrico Forense. Disse que no SENAC, 83% dos aprendizes são inseridos no mercado de trabalho após o curso, e 23% são efetivados na própria empresa em que foi contratado.
Seguiram-se intervenções da diretora pedagógica da Superintendência do Ensino Profissional, Raquel Padilha, e da diretora administrativa, Sônia Lopes dos Santos, que buscam a validação da aprendizagem no Ensino Médio.
Fonte: Agência de Notícias da ALRS