Retrocesso foi o termo mais mencionado, durante a audiência pública realizada pela Comissão de Saúde e Meio Ambiente na manhã desta quarta-feira (16), para qualificar o projeto do governo gaúcho que flexibiliza a lei estadual dos agrotóxicos. O encontro, solicitado pela deputada Sofia Cavedon (PT) em 2020, foi coordenado pela presidente do colegiado, deputada Zilá Bretienbach (PSDB) e reuniu ativistas de movimentos ecológicos, integrantes da comunidade científica e agricultores orgânicos. De forma unânime, pediram a retirada do regime de urgência da matéria.
O PL 260/2020 suprime do texto da Lei 7.747, de 22 de dezembro de 1982, a proibição de produtos importados que não tenham autorização de uso em seu país de origem. Caso seja aprovada pela Assembleia Legislativa, bastará que as substâncias agroquímicas sejam registradas em órgão federal e cadastradas na Fepam para que possam ser comercializadas no Rio Grande do Sul. Exigências consideradas insuficientes pelos participantes da audiência, que elencaram uma série de impactos ao meio ambiente e à saúde da população que a flexibilização poderá acarretar.
A deputada Sofia sugeriu que os documentos elaborados pelas entidades sejam unificados e levados pela presidente da Comissão ao governador do Estado, com o pedido de retirada do regime de urgência do projeto. A parlamentar propôs que seja anexada ao material que será levado ao Executivo a bateria de perguntas apresentadas pelo Conselho Estadual de Saúde sobre os riscos da flexibilização do uso de agroquímicos. “Perguntar não ofende. E hoje não há a mínima segurança em relação ao consumo dessas substâncias e aos riscos que representam. É uma temeridade retirar uma cláusula preventiva num ambiente de tantas incertezas e riscos”, ressaltou a parlamentar.
O professor Leonardo Melgarejo afirmou que, só nos últimos dois anos, 1.229 novos agrotóxicos foram liberados no Brasil, muitos dos quais classificados como potencialmente carcinogênicos. Ele alertou que não se trata “de moléculas novas, mas de variações sobre o mesmo tema, que estão inundando o campo gaúcho”.
Na mesma linha, a pesquisadora da Pontifícia Universidade Católica (PUC/RS), Guendalina Turcato de Oliveira revelou a existência de estudos que apontam que o limite de moléculas de agroquímicos na água consumida em alguns lugares no Brasil é de 500 a cinco mil vezes maior do que na União Européia. Além disso, há evidência da presença de 27 princípios ativos pouco abaixo do limite máximo permitido na água de ingesta de diversas capitais, inclusive, de Porto Alegre. Segundo ela, a população corre riscos, pois não há qualquer estudo que garante a segurança para o consumo diário de soluções heterogêneas de vários princípios ativos.
O professor Alten Teixeira também fez uma crítica contundente ao projeto do governo e aos seus apoiadores. Além de citar prováveis danos à saúde e meio ambiente, ele chamou atenção para a justificativa que acompanha o projeto do Executivo. Conforme Teixeira, a “proposta é colonialista e desmantela a agricultura familiar, os arranjos locais de produção e os pequenos produtores”. “O governo federal nega a pandemia. O governo do Estado nega os danos que a flexibilização do uso de agrotóxicos trará aos ecossistemas e à saúde humana”, apontou, defendendo o lançamento de um manifesto em várias línguas para denunciar a situação.
Contraponto
Única representante do governo na audiência, a servidora da Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam) Isa Osterkamp afirmou que o órgão tem uma equipe técnica qualificada que atua na análise e cadastro dos agrotóxicos, que precisam ter registro no Ministério da Agricultura, Ibama e ANVISA para serem comercializados no Rio Grande do Sul.
Ela revelou que a Fepam tem 789 produtos cadastrados, 500 em processo de análise, 14 liberados por ordem judicial e 38 com cadastro indeferido. Em sua avaliação, o critério da autorização de uso no país de origem não traz, por si só, segurança ambiental. Isso seria garantido pela análise e emissão de certificado pela Divisão de Agrotóxicos da fundação.
A Associação dos Servidores da Fepam pensa diferente. Nilo Barbosa, representante da entidade, defendeu a ampliação do debate com a sociedade e com a comunidade científica ,antes da votação da matéria. Para ele, o princípio da precaução deve ser observado já que “não existe antídoto para os venenos”, utilizados em larga escala na agricultura.
Cautela
O promotor Daniel Martini pediu cautela na análise do projeto. Ele revelou que, em 29 de março de 2021, o então procurador-geral de Justiça, Fabiano Dallazen, encaminhou um parecer à Assembleia Legislativa alertando que a aprovação da matéria poderia configurar um retrocesso na proteção ao meio ambiente e à saúde da população. Lembrou também que, em 2016, uma comissão formada por integrantes do Ministério Público, Fepam, Secretaria do Meio Ambiente e Secretaria da Agricultura para estudar a alteração da legislação chegou à conclusão que, se alguma mudança fosse realizada, deveria relacionar a vedação de uso em território gaúcho à proibição ou banimento no país de origem.
Os deputados Pepe Vargas, Jeferson Fernandes, Valdeci Oliveira e Fernado Marroni, todos do PT, criticaram o projeto do governo, que passa a trancar a pauta de votações na próxima quarta-feira (23).
Matéria da Agência de Notícias da ALRS/Olga Arnt – 14323