A violência contra a escola e contra a liberdade de ensinar e aprender levou à diversas iniciativas que têm se levantado para combater a militarização das escolas, o patrulhamento de professores, através do grupo chamado Escola Sem Partido, até a compra de métodos estruturados de Educação, desde a pré-escola, que transformam professores e educadores em meros aplicadores, fora do protagonismo da comunidade escolar e da gestão democrática das escolas. Estes foram alguns dos temas tratados pelo painel “Liberdade de aprender e de ensinar” organizado pela Comissão de Educação, Cultura, Desporto, Ciência e Tecnologia, na segunda-feira (21/10), com parte de diversas atividades desenvolvidas ao longo do mês, intituladas Outubro, mês da Educação.
Na abertura do evento, a deputada Sofia Cavedon, que preside o colegiado, destacou ainda a intervenção do Governo Leite no processo de eleição de diretores de escolas. Conforme informou a parlamentar, os diretores que haviam participado de um curso de formação pela Universidade Estadual do Rio Grande do Sul (Uergs), tiveram seus certificados invalidados e foram obrigados a se submeter a uma nova formação oferecida pelo Unibanco, a pedido do Governo do Estado, com várias questões estranhas ao universo escolar gaúcho. “É muito desrespeitoso com nossos professores e professoras que assumem a gestão. E agora terá, no dia 1° (de novembro) uma prova eliminatória. Nós nos posicionamos completamente contrários a ela. Ela foi aprovada pela Assembleia na forma de lei. Nós votamos contrariamente”, disse a deputada.
Sofia lembrou que o próprio Ministério Público, a partir de uma provocação da Comissão de Educação, sugeriu à Secretaria Estadual de Educação, que não cobrasse na prova, a bibliografia em inglês, que foi imposta pelo Governo do Estado aos candidatos à direção de escolas da rede pública gaúcha.
Para o painelista Fernando de Araújo Penna, doutor em Educação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), diretor da Faculdade de Educação da Universidade Federal Fluminense (UFF) e coordenador do Observatório da Violência contra Educadoras e Educadores, muitas das práticas opressivas, incluindo o racismo, são estruturais e, para serem efetivamente combatidas, precisam ser reconhecidas pelas instituições. Se essas práticas não são punidas, elas excluem as vítimas do ambiente educacional. Segundo Penna, a educação democrática diz respeito a garantia do direito à educação para todas e todos. Nesse sentido, a gestão democrática é uma das práticas que ampliam a democracia numa comunidade educativa, porque envolve não só a eleição da direção, mas a participação nas decisões. Outro exemplo é a laicidade na escola, que acolhe todas as práticas religiosas, mas não professa nenhuma delas.
No entanto, o professor também chamou atenção para o crescimento da violência contra professores nos últimos dez anos, que coincide com o surgimento e fortalecimento de uma extrema-direita no campo político. Ele afirmou que quando há um tipo de censura sobre algum tema, não é só o professor que é afetado, mas toda a comunidade escolar. Ele citou o exemplo da educação sexual que ajuda as crianças a perceberem os sinais de abuso, que em geral, acontecem no ambiente privado. Quando essa formação é impedida, quem fica vulnerável, são os estudantes. Penna disse ainda que muitos políticos cresceram e apareceram nos últimos anos perseguindo professores, que passaram a se autocensurar, por medo de sofrer violência.
Cecília Farias, diretora do Sindicato dos Professores do Ensino Privado do RS (Sinpro-RS) ressaltou que muitas vezes os educadores são impedidos de falar sobre o processo de desigualdade histórica que perpassa as relações sociais ainda hoje no país. Cecília também mencionou o aumento no caso de professores e professoras que buscam o sindicato com medo, denunciando todo tipo de perseguição, incluindo censura de livros e peças de teatro. A diretora do Sinpro contou da iniciativa de pais de professores que criaram a Frente em Defesa da Liberdade de Ensinar e Aprender, para enfrentar o avanço da extrema direita dentro do ambiente escolar. Cecília também falou das ações do Sinpro-RS para denunciar a atuação de grupos político-ideológicos dentro das escolas da rede privada.
Uma escola com a biblioteca fechada há 20 anos, sem vice-diretor, sem secretaria, sem limpeza, sem orientação pedagógica e sem supervisão. Esse foi o quadro relatado pelo diretor da Escola Estadual de Ensino Fundamental Brasília de Porto Alegre, Nei Colombo, quando assumiu a gestão. Graças ao processo de gestão democrática implementado por Colombo, a escola passou a figurar entre os melhores resultados do Ideb no RS. Atingida pelas enchentes, logo que se foi possível retornar às aulas, a escola passou por um episódio de invasão e abuso de autoridade protagonizado por um policial militar, pai de uma estudante, que acusava a professora de persegui-la e ingressou na instituição sem qualquer mandato, acompanhado de outros dois policiais e levou a professora para uma delegacia para prestar depoimento. O conjunto de ilegalidades levou a mobilização da direção e do sindicato dos professores que chegou até o secretário de Segurança Pública do RS. Só assim foi instaurado inquérito para investigar o comportamento irregular dos policiais. Mesmo assim, episódios similares foram registrados em outras escolas.
Para a representante da Rede Brasileira de Educação e Direitos, defensora pública e mestre em Educação para os Direitos Humanos, Cristiane Johann, destacou a diferença entre os professores contratados temporariamente pelo Estado e os concursados. Para esse último, ainda há mais segurança jurídica na hora de ensinar, principalmente a defesa dos direitos civis, do combate ao racismo, a misoginia, ao machismo e ao bullying. Cristiane lembrou que a gravação dentro de sala de aula só pode acontecer a pedido do professor e com anuência deste, diferente do que é divulgado nas redes sociais atualmente. A Johann defendeu uma campanha similar do Sinpro, mas na rede pública de ensino, na defesa da liberdade pedagógica.
No encerramento do painel, a deputada Sofia Cavedon lembrou que escola é um espelho da sociedade e dentro dela estão diferentes concepções de mundo, diferentes religiões, posicionamentos políticos e o papel dessa instituição é justamente reconhecer as diferenças e proporcionar o convívio harmônico e democrático. “Será que o centro de tudo, não é lutar contra esse esvaziamento da gestão democrática?”, indagou a parlamentar.
Para Sofia a escola que está sendo combatida é a da Constituição de 88 que nem mesmo se consolidou e já enfrenta o processo de ascensão da extrema-direita. “Em nome do Ideb, tu uniformiza o que precisa estar na escola, compra planos pré-determinados e esvazia as relações humanas de processos diferenciados como o da escola cidadã, onde cada aluno tem o seu tempo de aprender, tem o seu ritmo, diferenciado, faz a inclusão do menino com deficiência. Tudo isso está indo por água abaixo, por dois vetores: o esvaziamento da gestão democrática e, do outro lado, um único viés para avaliar a Educação, uma prova de português e matemática, que é boa para a escola privada acessar recursos e na pública, virou uma forma de avaliar governos.”