Para registrar a passagem do Dia Mundial da Saúde, comemorado em 7 de abril, a deputada Sofia Cavedon (PT) ocupou a tribuna da Assembleia, no período do Grande Expediente na sessão desta tarde, para cumprir um dos mandatos da Organização Mundial da Saúde ao instituir a data, e trouxe para o debate o direito à interrupção da gravidez previsto em lei, como consequência de estupro.
Da tribuna, a parlamentar disse que “queremos falar da violência sexual e dos desafios ao acesso e ao acolhimento nos casos de aborto legal”, um dos primeiros temas que recebeu ao assumir a Procuradoria da Mulher da Assembleia. Observou que “o direito à interrupção da gravidez, como um direito das mulheres e como uma questão de saúde pública”, é tema que deve ser superado como “tabu”. Trata-se, explicou, da desigualdade entre homens e mulheres materializada na violência contra mulheres e meninas, assunto que a deputada já abordou na Assembleia através da cartilha Transformando Leis em Igualdade, documento que explica os tipos de violência contra as mulheres, física, psicológica, sexual, patrimonial e moral.
“A violência sexual é apenas um dos tipos de violência e igualmente como as demais, deixa marcas profundas em todas as mulheres”, continuou Cavedon, e a consequência que mais afeta as vítimas é a gravidez indesejada. Nesse cenário, conforme pesquisas, a combinação entre machismo e racismo resulta em maior violência contra as mulheres, sendo que as mulheres negras e pobres são as mais vulneráveis e fortemente afetadas.
Sofia Cavedon discorreu sobre o estupro, violência que submete a mulher ao contato sexual de modo indesejado, mediante uso de ameaça ou violência. E de outros atos constrangedores com o mesmo fim, através do uso de substâncias psicoativas, como é o conhecido do “Boa noite Cinderela”. Mas advertiu que “todo e qualquer tipo de ato libidinoso se enquadra como um crime de estupro”, como os toques em qualquer parte do corpo sem autorização. O estupro é ato praticado também na intimidade do lar, cujas vítimas são crianças, meninas e mulheres adultas. Nestes casos, explicou, quando o estupro resulta em gravidez a vítima tem o direito ao aborto legal. A lei é de 1940, mas “até hoje muitas mulheres têm o seu direito negado nessas situações”.
Para informar e facilitar o acesso aos serviços de saúde para mulheres nessa situação, a deputada destacou a Norma Técnica do Ministério da Saúde sobre Atenção Humanizada ao Abortamento, que reconhece o aborto realizado em condições inseguras como causa de morte materna e garante o atendimento às mulheres em processo de abortamento, espontâneo ou induzido, nos serviços de saúde. O documento refere, ainda, o risco à vida que resulta a atenção tardia ao abortamento inseguro, cujas complicações estão entre as principais causas de morte materna no Brasil. Outra questão relevante é o adoecimento mental das mulheres e meninas condenadas a prosseguir uma gestação indesejada, “tema pouco discutido”, alertou.
Acesso ao serviço de saúde sem Boletim de Ocorrência
As vítimas não podem ser culpabilizadas nas delegacias ou nos serviços de saúde para manter a gestação, orientou a deputada, mostrando que não é preciso Boletim de Ocorrência, autorização judicial ou familiar para acessar aos cuidados de saúde e para uma possível interrupção da gravidez. Isso pode ser feito em Pronto Socorro, UPAs e hospitais, onde deve ser acolhida “sem julgamentos ou mesmo sem duvidar da sua palavra”, pois qualquer equívoco na abordagem acarretará novos traumas nas vítimas, que em geral abandonam os cuidados de saúde desacreditando do próprio serviço. Isso está na normativa do MS e da OMS, a Norma Técnica sobre Prevenção e Tratamento dos Agravos Resultantes da Violência Sexual contra Mulheres e Adolescentes (MS, 2012), que inclui o atendimento à interrupção da gravidez.
Outra garantia dada às mulheres na prestação do serviço de saúde é o direito ao sigilo, sem identificação da vítima, embora a notificação dos atendimentos seja relevante para contrapor as subnotificações de registros. Também a busca de direitos na justiça, muitas vezes, resulta em agravamento da fragilidade psicológica da vítima. Diante disso, é a rede de proteção funcionando que vai assegurar a agilidade prevista na legislação para o procedimento abortivo, que é até a 20ª semana de gestação ou 22 semanas caso o feto pesar menos de 500 gramas. Há registro de locais que negam o atendimento quando a gestação supera as 20 semanas e as mulheres são encaminhadas para outros hospitais, o que resulta na perda do direito à interrupção da gravidez.
“Não é papel do Estado criar barreiras para que este direito seja acessado”, afirmou a Procuradora Especial da Mulher, dizendo que a Assembleia tem que “criar mecanismos que contribuam para o acesso das mulheres aos seus direitos”. Além de mobilizar autoridades e instituições que atuam com o tema, Cavedon apontou que até mesmo projetos de lei que estão na contramão dos direitos sexuais e dos direitos reprodutivos das mulheres devem ser evitados. Ela prestou homenagem ao Fórum Estadual do Aborto Legal, que realiza trabalho de acolhimento de vítimas, e também os quatro hospitais em Porto Alegre que disponibilizam o serviço de saúde para o abortamento legal – Hospital de Clínicas, Hospital Materno Infantil Presidente Vargas, Hospital Conceição e Fêmina. No interior, hospitais em Canoas, Caxias do Sul e Rio Grande também disponibilizam o serviço.
Ao encerrar, Sofia Cavedon disse concordar com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que ontem (8) comentou que embora sendo contrário ao aborto, entende que como chefe de Estado deve ser favorável ao direito da mulher falar de aborto como questão de saúde. Tendo em vista os extremismos da última campanha presidencial no país e também da campanha municipal em Porto Alegre, nas questões relacionadas com os direitos das mulheres, ela espera que o retrocesso não se repita na disputa eleitoral dos próximos meses.
Compuseram a Mesa Camila Noguez, representando o colegiado Fórum Aborto Legal; Beatriz da Rosa Vasconcelos, da diretoria do Instituto Akanni; Fabiane Dutra, presidenta estadual da União Brasileira de Mulheres; Fátima Roseli Lacorte, vice presidenta do Conselho Municipal de Direitos da Mulher de Porto Alegre; Any Moraes, da coordenação executiva no RS e da Marcha Mundial das Mulheres/RS; Elisamar Rodrigues, presidenta do Fórum Municipal das Mulheres de Porto Alegre; Jane Heringer, da equipe SAISS – HMIPV; e Rosangela Schneider, presidenta do Coren/RS.
Apartes – Do plenário, manifestaram-se em apartes as deputada Stela Farias (PT) e Luciana Genro (PSOL) e o deputado Dr. Thiago Duarte (União).
Matéria da Agência de Notícias da ALRS